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Vida: Essência e Existência

Sérgio Biagi Gregório

1. INTRODUÇÃO

A vida, como problema, afigura-se-nos a cada instante. Perguntamo-nos: de onde viemos? Para onde vamos? O que estamos fazendo aqui? Qual a essência da vida? Por que existe a morte? Tudo acaba com a morte? E as respostas não são tão fáceis quanto perguntar. Assim, para desenvolvermos o tema em epígrafe, veremos: conceito e etimologia dos termos, a vida em si mesma, a essência e a existência, a convivência com as dificuldades e a ótica espírita

2. CONCEITO

2.1. VIDA

Para Legrand, em seu Dicionário de Filosofia, não existe atualmente uma definição suficiente para totalizar os fenômenos (assimilação, crescimento e possibilidade de reprodução) que a experiência corrente classifique com o nome de vida.

O problema da origem da vida ainda hoje continua a ser um tema ingrato assim como o da própria vida. À teoria religiosa da criação, o materialismo contradiz no século XX a idéia (não verificável) de uma "célula primordial", e outras diversas hipóteses (por exemplo, a panspérmia), segundo a qual "gérmens de vida" flutuariam permanentemente no Universo e chegariam à terra vindo de outros astros. (Legrand, 1982)

Para Lalande, em seu Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia, a vida é um conjunto dos fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e reprodução) que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou da produção do germe) até a morte.

2.2 ESSÊNCIA

Para Aristóteles, a essência é a substância enquanto substância primeira (ousia prote), o ser individual, matéria. O indispensável de uma coisa, a substância segunda (ousia deutera), a forma. Assim, a essência é o "fundo" do ser, metafisicamente considerado. Nesse sentido, opõe-se a acidente, elementos constitutivos de um ser por oposição às modificações superficiais, e a existência, o que é uma coisa, sua natureza, independentemente do fato de existir ou por oposição a ele.

Os Escolásticos consideram a essência: todos os elementos que, quando dados, põem como dada a coisa, sem que se possa suprimir nenhum deles. Por exemplo, o ser humano (humanitas), é a essência do indivíduo homem, tal qual é.

Husserl afirma, como já fazia Duns Scot e Suarez, a inseparabilidade da essência e da existência. Quer evitar assim a forma apriorística, abstrata, vazia. É a generalidade concreta. As ciências eidéticas de que ele fala são as que se fundam nas essências. As ciências factuais são as experimentais. (Santos, 1965)

3.3. EXISTÊNCIA

Existência: ex-sistência (estar aí, Ex, fora das causas), o que acha na coisa, in re. Existência é o fato de ser. Difere de essência, pois a existência consiste no fato de ser da essência. Assim como se pergunta: "o que é o ser?" pode perguntar-se: "qual o ser da existência?" Em que consiste a existência, qual a essência da existência, bem como qual a essência da Essência? (Santos, 1965)

De acordo com Régis de Moraes em Stress Existencial e o Sentido da Vida, existir é verbo formado da expressão latina ex-sistere, que, em tradução mais livre, pode ser entendida como: pôr-se para fora (de si), exprimir-se, significar. Ora, pomo-nos para fora em direção a outrem que recebe nossa expressão e acolhe nossas significações; e obviamente esse outrem extroverte-se por sua vez, reage a nós e age sobre nós, significa e comunica-se. É, portanto, a existência essa troca de mensagens e comunhão de vidas, sendo — mais profundamente — a experiência de se vivenciar tudo isto. Eis a razão pela qual árvores, pedras, mares e nuvens, sem que nenhuma destas coisas exista. (1997, p.18)

3. VIDA

3.1. CARÁTER DA VIDA

Segundo Garcia Morente em Fundamentos da Filosofia, o primeiro caráter que encontramos na vida é o da ocupação. Viver é ocupar-se; viver é fazer; viver é praticar. É um por e tirar das coisa, é um mover-se daqui para ali. Porém, se olharmos com mais atenção, a ocupação com as coisas não é propriamente ocupação, mas preocupação. Preocupamo-nos, primeiramente, com o futuro, que não existe, para depois acabar sendo uma ocupação no presente que existe.

Pelo fato de escolhermos, de termos um propósito, tanto vil como altruísta, nossa vida é não-indiferença. O animal, a pedra e o vegetal estão no mundo, mas são indiferentes. O ser humano não, ele tem que vivenciar a sua vida. A vida se interessa: primeiro, com ser, e segundo, com ser isto ou aquilo; interessa com existir e consistir.

O movimentar-se refere-se ao tempo. Que é o tempo? Santo Agostinho já nos dizia que se não lhe perguntassem saberia o que era, mas quando lhe perguntam já não o sabia mais. Por isso, há que se considerar o tempo cronológico e tempo psicológico. Em se tratando da vida, temos de considerar o tempo psicológico, ou seja, considerar o presente como um "futuro sido". No tempo astrônomico, o presente é o resultado do passado. O passado é germe do presente, mas o tempo vital, o tempo existencial em que consiste a vida, é um tempo no qual aquilo que vai ser está antes daquilo que é, aquilo que vai ser traz aquilo que é. O presente é um "sido" do futuro; é um "futuro sido". (1970, p. 308 a 311)

3.2. QUEHACER

A vida foi nos dada, mas não nos foi dada feita. Ela precisa ser construída. Para que possamos construi-la, temos que lhe dar sentido e valor. A moral reveste-se de transcendental importância, pois irá determinar todos os nossos atos. Por isso, a moral não pode ser um imposição social, mas patrimônio inalienável do espírito. O quehacer é luta, é garra, é movimentar-se. O quehacer, que é individual, não pode perder de vista o fim total. Deve estar envolto com a cosmovisão transcendental da própria vida. Saber não é erudição: saber é saber ater-se.

3.3. EU E A CIRCUNSTÂNCIA

Ortega y Gasset diz que o eu não é apenas eu, mas eu e minhas circunstâncias. Para ele a vida não é teoria, mas realidade. A realidade é tudo que se nos oferece tanto aos olhos físicos como aos olhos espirituais. São os nossos sonhos acordados, os nossos devaneios, a comida que ingerimos, a televisão que assistimos etc. A vida é sempre a nossa vida. Embora devamos respeitar a vida dos outros e não que sejamos o mais importante dos mortais, a vida é sempre a nossa vida, porque é através de nossas próprias lentes que conseguimos ver o "eu", o "outro" e o "nós". Assim, faz muita diferença olhar o mundo sem defesas, sem melindres e sem segundas intenções.

4. ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA

4.1. A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

A vida existe, mas pode não ser vivida. É a indiferença. A pedra, o vegetal, o animal existem, mas são indiferentes. O homem, ao contrário, tem que atualizar a essência e o faz na existência. A atualização envolve a construção do seu destino. Por isso, a contradição entre livre-arbítrio e determinismo. A atuação do homem pressupõe escolha. Escolher é selecionar, é buscar alternativas, é construir. Nesse sentido, a formação de princípios éticos muito contribuirá para uma boa escolha de nossas ações.

4.2. O EXISTENCIALISMO ESPÍRITA

Para J. P. Sartre, o indivíduo só vê angústia e desespero. A vida acaba com a morte. O ser é um projeto que se aniquila com a morte. Diz ele que a existência precede a essência. O homem é um ser fático e nada mais.

Para o Espiritismo, cada um de nós é um ser que extrapola tempo e espaço. O fato social em que nos deparamos tem uma dimensão cósmica. Somos o resultado de todas as nossas pretéritas encarnações.

4.3. COMUNICAÇÃO DA ESSÊNCIA

Uma essência pode se comunicar com outra essência. Em se tratando da Doutrina Espírita, podemos comparar analogicamente a essência (da filosofia), com o conceito de Espírito, anotado por Allan Kardec, na pergunta n.º 23 de "O Livro dos Espíritos" - Que é o Espírito? Resposta - Princípio inteligente do Universo. Para alguns filósofos, como Husserl, a essência não pode ser considerada isoladamente. Ela deve estar relacionada com a existência. Para o Espiritismo, o Espírito manifesta-se através do perispírito. Na mediunidade temos o exemplo de que uma essência pode se manifestar à outra por intermédio de uma outra . Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, mostra-nos que o Espírito do médium pode comunicar-se através do próprio médium. É a essência transmitindo através da própria essência.

5. AS DIFICULDADES DE COMPREENSÃO DA VIDA

Por que uma essência pura se contamina? Por que existe a doença? Por que as dores e os sofrimentos de toda a espécie? Por que as crises? Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, analisando o problema da idiotia e da loucura deixa-nos claro que tanto uma como a outra são limitações da matéria e não da essência, que mantém a sua pureza intacta. A comunicação mediúnica dos internados das "Casas André Luiz", que abriga portadores de deficiências físicas e mentais, mostrou que por detrás da deficiência orgânica há um Espírito lúcido em sua manifestação. Por aí, vemos que as doenças são limitações do corpo físico e não do Espírito. Não são poucos os Espíritos, uma vez desencarnado, que voltam a ter a sua procedência normal.

6. CONCLUSÃO

Diante do exposto, devemos estar inteiros naquilo que estivermos fazendo. Todos os nossos atos, para se tornarem autônomos, devem ter um livre consentimento de nossa vontade e de nossa atividade. A autonomia da vida é seguir os ditames de nossa vocação. Não a vocação das profissões, mas aquela determinação que está dentro de cada um de nós. Em outras palavras, deve haver concordância entre a nossa vontade e a do Criador.

7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares. 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Doutrinadores. São Paulo, Lake, s. d. p.
LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1993.
LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Lisboa, Edições 70, 1982.
MORAIS, R. Stress Existencial e o Sentido da Vida. São Paulo, Loyola, 1997.
SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.

São Paujo, janeiro de 2005

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