Conforme prometido, vou finalmente deixar algumas considerações sobre toda a questão do preço do petróleo e da gasolina que tanto está na moda. O que me fez vencer a preguiça e dedicar-me a escrever o que penso foi o apelo da DECO ao boicote às gasolineiras durante o próximo sábado, que acabei de ver nas notícias do Público.
Começando pelo fim, devo dizer que acho o apelo pura e simplesmente estúpido. A gasolina é um bem essencial; boicotar a sua compra num dia não faz diferença nenhuma aos vendedores, já que como os gastos se manterão o consumo total também – ou seja, a gasolina que não for comprada no sábado sê-lo-á na sexta ou no domingo. Em compensação, prevê-se que haja uma corrida às bombas na sexta-feira, pelo que esta acção trará, isso sim, muitos inconvenientes para os consumidores...
Mas para mim o pior é que a DECO se junta desta forma ao grupo de entidades com alguma responsabilidade social que promovem a desinformação. Não pretendo ser um especialista na área e vou assumidamente fazer o papel de advogado do diabo – mas quero deixar aqui uma visão do outro lado da história que nunca ninguém se dá ao trabalho de investigar.
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Contrariamente à maioria da população, eu comecei a acompanhar a evolução do preço do petróleo em 2002, quando tinha muito tempo livre e comecei a achar piada a seguir os mercados financeiros e afins. Nessa altura, o preço do barril de petróleo andava pelos 20 dólares, o que ao câmbio da altura dava cerca de 30 euros, a gasolina em Portugal custava cerca de 85 cêntimos por litro e a queixa principal da OPEC (associação de países produtores de petróleo) era o preço estar muito abaixo do preço desejado, entre os 22 e os 28 dólares por litro, considerado (na altura) o melhor para a conjuntura de então.
Com a guerra do Iraque, o barril de petróleo subiu para uns escandalosos trinta e tal dólares – à medida que esta moeda desvalorizava. Depois duma breve descida, retomou a escalada. A 28 de Setembro de 2004 (sei a data porque foi o dia em que voltei para Portugal) o barril de petróleo passou pela primeira vez na história a marca dos 50 dólares por barril; este ano passou dos 100. Com o câmbio actual do dólar, o barril está hoje a cerca de 74 euros por barril – duas vezes e meia o preço de há seis anos atrás, o que justificaria (de acordo com as contas simplistas feitas pela DECO e afins) gasolina a cerca de dois euros por litro. Ainda acham caro?
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O segundo ponto relevante é que o petróleo não é comprado no dia em que a gasolina é vendida. Os contratos são feitos com meses de antecedência – o preço de 108 dólares por litro, que é o corrente à hora a que escrevo, diz respeito a contratos de fornecimento para Novembro. Ou seja, é o preço que o petróleo que as gasolineiras (e não só) receberão em Novembro terão de pagar.
Como é que isto se reflecte na gasolina? Da mesma forma que a evolução da Euribor se reflecte no empréstimo das casas. Ninguém tem a prestação actualizada ao dia mal a taxa de juro sobe; não, faz-se com alguma periocidade, tendo em conta a média da taxa de juro num período anterior. Com os combustíveis há um efeito semelhante, mas com alguns efeitos de compensação à mistura: em particular, uma vez que os contratos são feitos com tanta antecedência, a actualização dos preços pode também reflectir a tendência prevista. Para além disso, o preço do petróleo não é o único factor relevante (daí que a gasolina também não esteja a 2 euros por litro).
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Para terminar, o meu toque cínico pessoal. Toda a gente se queixa do abuso das gasolineiras, da roubalheira que é o preço da gasolina, etc, etc. E quem é que se esforça por reduzir o consumo? Embora desde 2006 tenha havido (pela primeira vez em mais de 15 anos) aumento dos passageiros nos transportes públicos, o que é facto é que Lisboa continua atulhada de carros com um passageiro. A maioria das pessoas queixa-se, mas não abdica de ir de carro para o ginásio da rua ao lado onde vai fazer exercício para perder peso. A maioria das pessoas continua a guiar duma forma muito pouco eficiente, com travagens bruscas e acelerações repentinas, e em excesso de velocidade (o consumo mínimo por quilómetro percorrido obtém-se normalmente a velocidades cerca dos 90 km/h; a partir daí o aumento de velocidade implica um aumento de consumo muito superior para percorrer a mesma distância). A maioria das pessoas, em suma, reclama muito, mas não me convence que tenha grande razão para o fazer.
Faz-me lembrar um dirigente associativo duma faculdade de Lisboa que há uns anos deu uma entrevista aos jornalistas a explicar que não tinha dinheiro para pagar as propinas. A dada altura, atendeu uma chamada no seu telemóvel topo de gama, pediu desculpas porque tinha de se ir embora e partiu no seu BMW.
Quem não tem pecados que atire a primeira pedra...
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