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Economia | 28.08.2004

Mito da rolha de cortiça estraga o bom vinho

A tradição da rolha de cortiça para garrafas de vinho começa a estremecer: tecnologias modernas poupam enormes prejuízos aos vinhateiros. Mas consumidores e 'gourmets' apegam-se à velha rolha.


Vinho bom tem de ser fechado com rolha de cortiça. Essa premissa é tida como verdadeira desde que o monge beneditino francês Pierre Pérignon – o inventor do champagne – abandonou, no final do século 17, a utilização de tocos de madeira e buchas de cânhamo para fechar as garrafas e adotou a rolha de cortiça. O novo método do abbé foi revolucionário: não apenas o seu vinho espumante, mas todos os demais podiam ser conservados por muito mais tempo nas adegas.

A técnica de Dom Pérignon tornou-se tradição ao longo dos séculos. Apesar de todos os progressos industriais na produção de embalagens e na técnica de vedação, a rolha de cortiça é tida ainda hoje como a única forma perfeita e aceitável de tapar a garrafa de um vinho de qualidade. Isso pode ser verdade, no que se refere ao ritual da boa mesa, ao cerimonial quase sagrado dos gourmets. Do ponto de vista técnico, a rolha de cortiça é a pior das vedações.

Sabor a cortiça


Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:   Uma cena é freqüente nos bons restaurantes: após fazer a prova de aroma, cor e sabor, o cliente rejeita a garrafa do vinho de alta qualidade, aberta à mesa pelo sommelier. A justificativa é aceita sem qualquer discussão: o vinho tem gosto de rolha. Culpado disso é uma substância denominada tricloroanisol, resultante de combinação entre fungos existentes na cortiça com partículas de cloro do vinho.

Esse processo químico que destrói o prazer de consumo do bom vinho ocorre com uma freqüência muito maior do que se supõe: cerca de 10% das garrafas contêm vinho estragado. E, em grande parte dos casos, são vinhos mais caros que foram conservados nas adegas durante muito tempo. Nem mesmo os métodos mais modernos, como o tratamento prévio da cortiça em fornos de microondas, conseguem fazer com que as rolhas fiquem inteiramente livres dos fungos que provocam o dissabor.

Em geral, não é o consumidor que arca com o prejuízo. Principalmente, se o vinho é servido em restaurante. Nesse caso, o restaurante repassa a reclamação ao produtor do vinho, que é quem acaba tendo de pagar a conta. Ele reembolsa o valor do vinho ao proprietário do restaurante ou envia outra garrafa da mesma categoria. A União Européia calcula o prejuízo total dos vinicultores em cerca de 500 milhões de euros por ano.

Outros tipos de rolha


Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift:   Os produtores de vinho começam agora a reagir ao prejuízo. Um número crescente de vinhos de boa qualidade chega ao mercado com tampas de rosca, com as que são utilizadas há muito nas garrafas de água mineral ou de sucos. Outros optam pelas chapinhas, como as das cervejas e refrigerantes. Uma nova forma, ainda pouco usual pelo preço elevado, é a rolha de vidro.

Na Suíça, cerca de 80% dos vinhos já são vendidos com tampas de rosca. E mesmo na França, país dos vinhos par excellence, as rolhas de cortiça começam a ser contestadas até por renomados produtores de Bordeaux, como André Lurton, cujos vinhos brancos Château La Louvière e Couhins-Lurton também foram lançados no mercado com tampas de rosca.

Na Alemanha, os vinicultores ainda enfrentam uma grande resistência dos consumidores. Com isso, cerca de 90% dos vinhos alemães – que, ao contrário da crença brasileira, quase nunca são engarrafados em embalagem azul – ainda são fechados com rolhas de cortiça. A posição dos consumidores alemães é reforçada também pela política dos grandes templos culinários do país, como o restaurante Tantris, em Munique. Eles se recusam a abolir o cerimonial do desarrolhamento do vinho à mesa.

Mas Paula Bosch, do Tantris, faz uma exceção para as novas rolhas de vidro. Somente cortiça – com todos os seus problemas – ou vidro, diz a sommelière, outro tipo de fechamento de garrafa não é aceito pelo restaurante.

 

Assis Mendonça

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