Prerrogativas da advocacia

O que muda com a lei que restringe busca em escritórios

Destarte, a ordem judicial para a busca e apreensão em escritório de advogado, segundo o regime anterior, não podia ter por objeto as correspondência nem os telegramas ou telex do advogado. Tampouco podia ocorrer a quebra do seu sigilo de comunicações telefônicas ou do cliente quando em conversa com o advogado em consulta, para receber orientação deste quanto à defesa daquele. Somente quando houvesse razoáveis indícios de autoria delitiva por parte do advogado é que suas comunicações telefônicas poderiam ser devassadas.

Contudo, não era isso que vinha ocorrendo. O respeito aos preceitos legais fora simplesmente jogado no lixo por diversas autoridades judiciais, que sem nenhum pudor emitiam ordens de busca e apreensão ao arrepio de todas as disposições legais cujo destinatário é exclusivamente a autoridade judicial, como se estivessem esses juízes acima da lei.

O novo regime

11. A Lei 11.767, de 7 de agosto de 2008, alterou a redação do inciso II e acrescentou os parágrafos 6º e 7º ao artigo 7º do EAOAB.

12. Entre as alterações mais visíveis que se verificam na redação do inciso II está a supressão do pleonasmo reforçativo que mencionei linhas atrás, quando da análise desse mesmo dispositivo sob o regime anterior, e a da ressalva no final do dispositivo, que abria ao juiz a possibilidade de decretar a quebra da inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho do advogado, por meio de ordem, proferida no exercício da judicatura e fundamentada, conforme a prescrição constitucional.

13. Há outras, porém, que se me afiguram mais importantes. Além do escritório ou local de trabalho como um todo, a inviolabilidade assegurada aos advogados abrange também seus instrumentos de trabalho, como são seus computadores de mesa ou portáteis, suas agendas, inclusive eletrônicas, seus arquivos, os dados que armazena sob qualquer forma e tudo mais que lhe sirva de supedâneo ao exercício da profissão.

14. Quanto à correspondência, parece-me que andou mal o legislador, pois não poderia legislar preterindo o preceito constitucional que defere a todos uma proteção absoluta contra a devassa da correspondência e das comunicações por telegrama ou telex. Não importa a causa ou o motivo da correspondência, se destinada ao indivíduo cuja profissão é a advocacia ou ao advogado; tratando-se de correspondência, seja ela sob que forma for, escrita, eletrônica, ou qualquer outra, resta albergada pelo manto protetivo constitucional.

A tese segundo a qual, aberta a correspondência, perde ela a proteção para tornar-se um documento como outro qualquer não merece prosperar, pois incide em contradictio in terminis. O elaborador dessa tese esqueceu-se de fixar o domínio do que se chama “correspondência”. Como a lei não define o que seja correspondência para os efeitos legais, e como a lei se comunica em vernáculo para vincular a todos, colocando-nos sob seus mandamentos, o sentido semântico da palavra correspondência deve ser aquele de fácil apreensão pelo vulgo, qual seja, o sentido lexical. Nessa senda, a palavra “correspondência” significa a troca de cartas, bilhetes ou telegramas (cf. Dicionário Aurélio); intercâmbio de mensagens, cartas etc. entre pessoas, ou, conjunto de cartas, mensagens, telegramas etc. expedidas ou recebidas (cf. Dicionário Houaiss); troca de cartas ou telegramas entre duas pessoas, que estão em relação de amizade ou de negócios; o conjunto das cartas e telegramas que se recebem ou que se expedem; relações epistolares ou telegráficas com alguém; bilhete de correspondência (cf. Dicionário Caldas Aulete).


Sérgio Niemeyer é advogado, diretor do Departamento de Prerrogativas da Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo (Fadesp) e mestre em Direito pela USP.

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15/08/2008 11:43Botelho Pinto, o Chato (Outros)Toda as conquistas positivas para o crime geram...
Toda as conquistas positivas para o crime geram bons resultados aos criminosos. Parabéns às organizações criminosas e aos que se beneficiam com a criminalidade por mais esse obstáculo à investigação e à descoberta da verdade. E, repetindo o que foi dito, os bons advogados não precisavam nem ansiavam esse privilégio.
13/08/2008 14:35futuka (Consultor)Toda as conquistas positivas geram bons resulta...
Toda as conquistas positivas geram bons resultados, portanto parabens a mais uma vitória do direito.
12/08/2008 17:49Dr. Luiz Riccetto Neto (Advogado Sócio de Escritório - Criminal)Como bem observa, "in suma" o novo dispositivo ...
Como bem observa, "in suma" o novo dispositivo NÃO CRIA nova prerrogativa prfissional, mas apenas estabelece os critérios e os limites em que poderá ser quebrada a inviolabilidade do escritório, para que os maus policiais, representantes do Ministério Público e magistrados não venham a envolver advogados em crimes inexistentes como meio para obter "provas", não obtidas em investigação policial, contra cidadãos que consultam ou contratam essa nobre classe de operadores do direito. Parabéns ao ilustre advogado, Prof. Dr. Sérgio Niemeyer, pelo elogiável e bem fundamentado artigo.