O que é o senso comum ?
Na nossa vida quotidiana necessitamos de um conjunto muito vasto de
conhecimentos, relacionados com a forma como a realidade em que vivemos
funciona: temos que saber como tratar as pessoas com as quais nos
relacionamos, temos que saber como nos devemos comportar em cada uma das
circunstâncias em que nos situamos no nosso dia-a-dia: a forma como nos
comportamos em nossa casa é diferente da forma como nos comportamos numa
repartição pública, numa discoteca, num cinema, na escola, etc. Estamos
também rodeados de sistemas de transporte, de informação, de aparelhos
muito diversos, com os quais temos que saber lidar. De facto, para
apanharmos o comboio, por exemplo, temos que saber muitas coisas: o que
é um comboio e a sua função, como se entra numa estação, como se compra
o bilhete, como devemos esperar o comboio, etc.
Estes conhecimentos, no seu conjunto, formam um tipo de saber a que se
chama senso comum.
O senso comum é um saber que nasce da experiência quotidiana,
da vida que os homens levam em sociedade. É, assim, um saber acerca dos
elementos da realidade em que vivemos; um saber sobre os hábitos, os
costumes, as práticas, as tradições, as regras de conduta, enfim, sobre
tudo o que necessitamos para podermos orientar-nos no nosso dia-a-dia:
como comer à mesa, acender a luz de uma sala, acender a televisão, como
fazer uma chamada telefónica, apanhar o autocarro, o nome das ruas da
localidade onde vivemos, etc.,etc...
É, por isso, um saber informal, que se adquire de uma forma
natural (espontâneo), através do nosso contacto com os outros, com
as situações e com os objectos que nos rodeiam. É um saber muito simples
e superficial, que não exige grandes esforços, ao contrário dos
saberes formais (tais como as ciências) que requerem um longo
processo de aprendizagem escolar.
O senso comum adquire-se quase sem se dar conta, desde a mais tenra
infância e, apesar das suas limitações, é um saber fundamental,
sem o qual não nos conseguiríamos orientar na nossa vida quotidiana.
Sendo assim, torna-se facilmente compreensível que todos os homens
possuam senso comum, mas este varia de sociedade para sociedade e, mesmo
dentro duma mesma sociedade, varia de grupo social para grupo social ou,
também, por exemplo, de grupo profissional para grupo profissional.
Mas, sendo imprescindível, o senso comum não é suficiente para
nos compreendermos a nós próprios e ao mundo em que vivemos, pois se na
nossa reflexão sobre a nossa situação no mundo, nos ficarmos pelos dados
do senso comum, por assim dizer os dados mais básicos da nossa
consciência natural, facilmente caímos na ilusão de que as coisas
são exactamente aquilo que parecem, nunca nos chegando a aperceber que
existe uma radical diferença entre a aparência e a realidade.
Somos, imperceptivelmente, levados a consolidar um conjunto solidário de
certezas, das quais, como é óbvio, achamos ser absurdo duvidar (
o texto da ficha 3
(chama-lhes "crenças silenciosas"): temos a certeza de que
existimos, de que as coisas que nos rodeiam existem, que aquilo que nos
acontece é irrefutável, etc...
Contudo essas certezas são questionáveis, pois se baseiam em aparências.
E há muitas aparências que se nos impõem com uma força quase
irresistível, por exemplo: aparentemente o Sol move-se no
céu (não é verdade que esta foi uma convicção aceite, durante muitos
séculos, pela comunidade científica?). Podemos mesmo aprender a medir o
tempo a partir desse movimento aparente. Mas, na realidade,
esse movimento aparente do Sol é gerado pelo movimento de rotação da
terra.
Mas esta distinção entre aparência e realidade, da qual
não nos podemos libertar por causa da nossa natureza (ou melhor, da
constituição dos nossos órgãos sensoriais e do nosso sistema
nervoso), está dependente da diferença que existe entre o
conhecimento sensível e o conhecimento racional.
O conhecimento que temos através dos sentidos é forçosamente incompleto
e filtrado, pois os nossos órgãos receptores só são estimulados por
determinados fenómenos físicos, deixando de lado um campo quase infinito
de possíveis estímulos (por exemplo, os nossos olhos não captam quer a
radiação infravermelha, quer a radiação ultravioleta, ao passo que há
seres vivos que o podem fazer, o mesmo se passando com os ultra-sons). É
portanto inquestionável que não conhecemos, sensorialmente, a realidade
tal como ela é.
Sendo assim, os sentidos parece que nos enganam, pois os
dados que nos fornecem acerca da realidade são insuficientes para
alcançarmos um conhecimento verdadeiro, ou objectivo, da mesma.
Por isso a Razão permite-nos alcançar conhecimentos que nunca
poderíamos alcançar através dos sentidos.
As principais características do senso comum
Carácter
empírico – o senso comum é um saber que
deriva directamente da experiência quotidiana, não necessitando, por
isso de uma elaboração racional dos dados recolhidos através dessa
experiência.
Carácter
acrítico – não necessitando de uma
elaboração racional, o senso comum não procede a uma crítica dos seus
elementos, é um conhecimento passivo, em que o indivíduo não se
interroga sobre os dados da experiência, nem se preocupa com a
possibilidade de existirem erros no seu conhecimento da realidade.
Carácter
assistemático – o senso comum não é
estruturado racionalmente, tanto ao nível da sua aquisição, como ao
nível da sua construção, não existe um plano ou um projecto racional que
lhe dê coerência.
Carácter
ametódico – o senso comum não tem
método, ou seja, é um saber que não segue nenhum conjunto de regras
formais. Os indivíduos adquirem-no sem esforço e sem estudo. O senso
comum é um saber que nasce da sedimentação casual da experiência captada
ao nível da experiência quotidiana ( por isso se diz que o senso comum
é sincrético).
Carácter
aparente ou ilusório – Como não há a
preocupação de procurar erros, o senso comum é um conhecimento que se
contenta com as aparências, formando por isso, uma representação
ilusória, deturpada e falsa, da realidade.
Carácter
colectivo – O senso comum é um saber
partilhado pelos membros de uma comunidade, permitindo que os indivíduos
possam cooperar nas tarefas essenciais à vida social.
Carácter
subjectivo – O senso comum é
subjectivo, porque não é objectivo: cada indivíduo vê o mundo à sua
maneira, formando as suas opiniões, sem a preocupação de as testar ou de
as fundamentar num exame isento e crítico da realidade.
Carácter
superficial – O senso comum não
aprofunda o seu conhecimento da realidade, fica-se pela superfície, não
procurando descobrir as causas dos acontecimentos, ou seja, a sua razão
de ser que, por sua vez, permitiria explicá-los racionalmente.
Carácter
particular – o senso comum não é um
saber universal, uma vez que se fica pela aquisição de informações muito
incompletas sobre a realidade ( por isso também se diz que ele é
fragmentário ), não podendo, assim, fazer generalizações
fundamentadas.
Carácter
prático e utilitário – O senso comum
nasce da prática quotidiana e está totalmente orientado para o
desempenho das tarefas da vida quotidiana, por isso as informações que o
compõem são o mais simples e directas possível.
Texto complementar:
"O senso comum é um saber que está presente em todas as
sociedades e em todos os indivíduos (todos são dotados de senso comum).
Mas o senso comum é plural, variando de sociedade para sociedade e
modificando-se com o decorrer dos tempos.
O senso comum, enquanto princípio de sociabilidade,
constitui o acordo mínimo exigível para que qualquer sociedade funcione
como tal; ele assegura a coesão indispensável para que se possa falar de
comunidade e de vida colectiva.
Ele é princípio de equilibração, essencial a toda a
sociedade, entre a dimensão do indivíduo e a dimensão do colectivo ou
dito de outra forma, da sujeição do indivíduo às normas da vida
colectiva.
O senso comum é também o senso tradicional. Costumamos
dizer: "sempre foi assim" para justificar um procedimento que nos
criticam.
O senso comum transporta e naturaliza um conjunto de convenções
implícitas ou intrínsecas ao agir humano colectivamente dimensionado.
Neste sentido, ele é conducente ou solidário de uma aceitação que
assinala uma passividade inerente e indispensável face às exigências
práticas e pragmáticas da vida. Como se adquire o senso comum? Ele é
fruto da aprendizagem e educação que espontânea e/ou institucionalmente
recebemos enquanto membros de uma comunidade."
José Manuel Girão
e Rui Alexandre Grácio
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