AR: Revista de Derecho Informático ISSN 1681-5726
Edita: Alfa-Redi
No. 040 - Noviembre del 2001
Contratos Via Internet
Abstract: O termo contrato tanto pode significar o acordo, a avença, o pacto realizado entre as partes, segundo o qual são estabelecidos direitos e deveres mútuos e correspectivos, como o documento (instrumento) sobre o qual tais direitos e deveres foram registrados. O vínculo jurídico não possui sua existencia condicionada a existencia do papel sobre o qual foram efetuados os registros.
1. Soberania, Efetividade Normativa e Mundo
Virtual
Com a internet, atos são praticados sem que a estrutura
estatal possa exercer controle. Na realidade, muitas vezes, sequer o Estado tem
conhecimento das operações que estão sendo realizadas virtualmente em seu
território. Este é um aspecto muito interessante e que apresenta enorme
relevancia no mundo contemporaneo. Tradicionalmente, o Estado exerce controle e
fiscalização sobre todas as atividades desenvolvidas em seu território. Esse
controle manifesta-se na adoção de medidas punitivas, de controle administrativo
ou mesmo para efeitos de tributação. Na medida em que uma gama variada de
atividades desenvolve-se, sem que o Estado saiba ou possa controlar ou
fiscalizar, o próprio conceito tradicional de soberania é atingido. A noção de
soberania está diretamente vinculada a de um poder estatal, incontrastável em
seu ambito interno, e que goza de independencia no ambito externo, decorrencia
da isonomia jurídica que possui em relação aos demais Estados, no ambito da
comunidade internacional.
Por ora, interessa-nos a denominada soberania interna
ou autonomia. Ao longo dos séculos, cristalizou-se a noção de que
soberania pouco tem que ver com a produção de normas somente. As normas
produzidas, para que se configure a soberania interna, devem apresentar
efetividade ou eficácia. Isso significa que, em princípio, o descumprimento do
comando legal pode implicar no desencadeamento do uso de força organizada por
parte do Estado, a denominada força pública, do qual o Estado, ao longo
do desenvolvimento da humanidade, tornou-se seu único e legítimo detentor, a
ponto de as legislações penais, em praticamente todo o mundo, proibirem o uso da
força privada (em direito civil - especialmente em países de tradição
romano-germanica - ela é permitida em hipóteses excepcionais, como, por exemplo,
para recuperar a posse de bem detida injusta e indevidamente por outrem).
Enfim, o poder soberano, manifestado em uma de suas facetas
pela produção de normas jurídicas, necessita da outra faceta, a ela
complementar, qual seja, o poder de mobilizar o aparato estatal para que tais
normas sejam cumpridas. A isso se atribui o nome de eficácia ou efetividade,
como já vimos. Todavia, no ambiente virtual, centenas de milhares de operações
são processadas a todo momento, sem que o Estado saiba. Outras vezes, o Estado
sabe e nada pode fazer, especialmente porque lhe falta normas jurídicas
disciplinadoras dessas novas operações. Aliás, nem mesmo os legisladores sabem
ao certo como elaborar normas que possam se adequar a essa realidade ainda
bastante etérea para o Estado. Em poucas palavras: falta ao Estado efetividade
ao extremo no campo virtual. Um exemplo ilustrativo a esse respeito é o das
atividades desenvolvidas em cassinos virtuais.
De fato, em alguns países, a atividade desenvolvida pelos
cassinos é considerada lícita, em outros, ilícita. Entretanto, existem alguns
casinos virtuais. A questão da lei aplicável é tormentosa. Se o cassino fosse
real, a lei aplicável para reger direitos e obrigações decorrentes de suas
operações seria a do país onde estivesse sediado. Sendo virtual e estando, em um
exemplo mais drástico, localizado em um computador a bordo de um navio em alto
mar que transmite por ondas diretamente conectadas a um satélite para centenas
de usuários localizados, por sua vez, em difrentes países, a questão nem de
perto apresenta efetividade estatal.
Ademais, o cassino virtual está ou não no território do país?
Ele está sendo exibido no monitor de um computador instalado em alguma parte de
seu território mas, ele que adentrou - ainda que chamado pelo usuário
ou fou o usuário que adentrou ao cassino onde quer que ele esteja (e ele está
apenas no software, com todas as suas sequencias e combinações de
bits. É uma questão árdua).
Por sua própria natureza, os atos praticados por intermédio
da rede mundial de computadores podem - e tendem - a transpor fronteiras
geográficas. Alguns atos, obviamente, são praticados entre usuários sediados no
mesmo país, inclusive na mesma cidade. Outros, porém, são praticados entre
usuários localizados em diferentes países, até mesmo transoceanicos. A
tecnologia nos permite praticar tais atos.
Ora, atos praticados entre usuários sediados em diferentes
países não são atos nacionais, pois conectam-se com diferentes ordenamentos e
jurisdições estatais. Esses atos, essencialmente internacionais, estão sendo,
atualmente, praticados sem que os Estados consigam, na maioria absoluta das
vezes, exercer qualquer controle. Tais atos, efetuados longe do controle
estatal, escapam de sua regulação normativa. Em relação a eles, a expressão da
soberania interna (autonomia) sofre profunda infirmação, pois não conseguem
imprimir a eficácia necessária para garantir o cumprimento do comando legal.
Nesses caso, sequer há comando legal para disciplinar as inúmeras e variadas
facetas que se apresentam com o comércio eletronico e todas as demais operações
virtualmente oferecidas.
Assim, na impossibilidade de fazer efetivo seus comandos, e
dada a natureza ciber e interespacial dos atos que estamos considerando, surge a
necessidade de o Estado depender de outro (ou outros) Estado para que o auxilie
na persecução ou na detecção da prática desses atos, especialmente quando
configurem ilícitos penais ou sejam potencialmente lesivos à comunidade humana.
Para tanto, existem consideráveis pressões diplomáticas para que, o mais
rapidamente possível, sejam concluídos tratados internacionais que tenham por
objetivo disciplinar atos praticados e disseminados pelo ciberespaço.
Contudo, a morosidade natural na conclusão de atos
internacionais com essa envergadura e o rapidíssimo desenvolvimento e constante
superação das novas tecnologias de informação, tornam a concreção de um
disciplinamento normativo geral cada vez mais distante da realidade. No momento,
os atuais diplomas normativos pouco oferecem, sendo necessário que todo
o procedimento de auxílio entre os Estados ocorra ou por via
diplomática ou por via judicial, por intermédio das cartas rogatórias, em
relação aos países signatários desses acordos normalmente bilaterais.
2. Meio e Mensagem
Tradicionalmente, mensagem e meio sempre estiveram
intimamente relacionados. Desde a antiga Roma afirma-se que as palavras ditas
voam e as escritas permanecem. Assim, e especialmente hoje em dia em que
infelizmente pessoas mentem sem qualquer constrangimento (para não dizer
descaramento) consideraremos meio o suporte físico sobre o qual é a
mensagem transmitida.
O suporte físico mais largamente utilizado é o papel
(antigamente o pergaminho e anteriormente o barro cozido). Sobre ele são
registradas informações (mensagem) diversas. A intimidade entre meio e menagem é
tão grande que o termo contrato tanto significa o instrumento (papel
onde foi registrado o acordo) como o próprio acordo entre as partes, os direitos
e deveres recíprocos por elas estatuídos.
Um contrato rasgado (o instrumento, evidentemente), implica
até mesmo na invalidade da prova de um acordo entre as partes, apenas naquele
pedaço de papel registrado, como garantia de que de fato foram
estatuídos direitos e deveres recíprocos. Este é o mundo dos átomos, onde todas
as relações se assentam sobre suportes físicos (em que esses suportes fornecem
os elementos necessários para que sejam administrativa e judicialmente
apreciados e considerados, inclusive quanto à prova formal (juntada do
instrumento papel nos autos de um processo administrativo ou judicial).
Vejamos um pouco mais sobre nosso mundo físico tradicional para confrontarmos
com o mundo virtual.
O novo sistema XML (eXtensive Markup Language),
sucedaneo do HTML, ambos pertencentes à família SGML - Standard
Generalized Markup Language, padrão internacional ISO 8879 para definição
de estruturas e conteúdo de documentos eletronicos. Esta nova linguagem
distingue plenamente conteúdo de forma em documentos, permitindo diferentes
formatos, sintaxes informáticas de ambito universal para diferentes domínios do
conhecimento e, na parte que mais nos interessa, pleno uso como transportador de
documentos no segmento de comércio eletronico, atuando principalmente na
integração de aplicações e nos sistemas B2B
(business-to-business).
Profissionais de diversas áreas tem encontrado sérias
dificuldades em transpor ou mesmo em adaptar peculiaridades do mundo físico
tradicional para os cenários do denominado mundo virtual. Ainda que as
operações realizadas nesse ambiente informático tendam a ser relativamente
simples para os usuários, o elemento complicador sob a ótica legal, embutido e
adjacente, está presente e é tão grande que até o momento nenhum estudioso
conseguiu ainda dimensioná-lo. A cada momento surgem novos e tenebrosos perfis
desse cenário que tende a se revelar tão marvilhoso quanto perigoso. Por ora,
marquemos alguns elementos típicos dos denominados contratos tradicionais.
O termo contrato tanto pode significar o acordo, a
avença, o pacto realizado entre as partes, segundo o qual são estabelecidos
direitos e deveres mútuos e correspectivos, como o documento (instrumento) sobre
o qual tais direitos e deveres foram registrados. O vínculo jurídico não possui
sua existencia condicionada a existencia do papel sobre o qual foram efetuados
os registros. Todavia, esse papel (instrumento do contrato ou simplesmente
instrumento, fornece elementos de prova (para a autoridade
administrativa ou judiciária que eventualmente vier a apreciar questão em que as
partes estejam envolvidas) que produzem efeitos legais.
A inexistencia do instrumento do contrato poderá, atée mesmo,
ser suprida por outros meios de prova em Direito admitidas, como por exemplo, a
prova testemunhal. Entretanto, é esse suporte físico (meio) o elemento primeiro,
essencial mesmo, para a prova dos fatos. é o suporte físico (meio) que define a
própria existencia da mensagem veiculada. Assim, temos no mundo físico
tradicional, documentos redigidos em papel, revestidos de certas formalidades
(instrumentos) que consignam, materializam e registram de modo duradouro, o
acordo de vontades celebrado entre as partes contratantes.
No mundo físico tradicional, os contratos normalmentes tem
por referencia bens corpóreos móveis (automóveis, televisores etc.) ou bens
imóveis (apartamentos, casas, terrenos etc.). Durante séculos, os bens eram
intrinsecamente considerados. Valiam em razão da própria estrutura molecular que
possuíam. Até mesmo com a moeda isso ocorreu. Antes do advento do papel-moeda, a
moeda metálica era cunhada em metal precioso. Moedas de ouro valiam mais que as
de prata e ambas, por sua vez, tinham maior valor intrínseco do que aquelas
cunhadas em brinze.
Em outras palavras, a moeda tinha seu valor considerado a
partir de seus próprios elementos intrínsecos: dureza, cor, raridade etc. Era a
fase do metalismo. além do dinheiro, os demais objetos, portanto
corpóreos, seguiam similares procedimentos de avaliação. Com o advento do
papel-moeda e a substitui,ão do metalismo pelo nominalismo, foi necessário
indicar expressamente, pela autoridade competetne, quanto valeria aquele pedaço
de papel pintado.
A grande inovação que deixou perplexos os estudiosos da época
foi o direito autoral e posteriormente, em uma concepção mais abrangente, o
direito de propriedade intelectual. Mais recentemente, os direitos de imagem
convulsionaram a mente de alguns estudiosos. Em ambos os casos estamos lidando
com bens móveis incorpóreos, que exigiam novo disciplinamento e nova concepção,
em virtude da superação do conceito tradicional.
Com a internet, a íntima relação entre meio e mensagem foi
rompida. A mensagem em ambiente virtual não necessita mais do suporte papel
tradicional para ser veiculada. A transmissão eletronica de dados ocorre por
ondas de rádio, por impulsos elétricos ou por qualquer outro veículo que a nova
tecnologia disponibiliza ao usuário.
A mensagem visualizada em um monitor de computador,
entretanto, prescinde do suporte físico tradicional. Isso importa afirmar que a
mensagem pode ser dissociada de seu meio físico tradicional: o papel. A mensagem
desvinculada do meio representada pelo suporte papel adquire valor e existencia
por si própria. em outras palavras, é possível atualmente desmembrar o que é
mensagem do que é meio veiculador.
Esse desmembramento não era possível antes, em razão da
estreita relação existente entre meio e mensagem. Agora, em virtude das
inovações tecnológicas dos últimos anos, principalmente no campo da informática,
isso é factível e merecedor de estudos mais aprofundados. A questão dos direitos
e deveres resultantes de um contrato encontram no ambiente cibernético um novo
dimensionamento.
Em ambiente virtual, os direitos e deveres decorrem
diretamente da mensagem, ou seja, guardam independencia em relação ao meio em
que se apresentam. Costumo brincar com meus alunos, para que se recordem da
matéria, que no ciberespaço temos a fórmula DDDD (direitos e deveres diretamente
decorrentes). Este aspecto, somente alcançável com as transmissões eletronicas
de dados, possui enormes implicações. Uma das mais importantes concerne aos
meios de prova.
Inexistindo suporte físico (meio) sobre o qual se apoia a
mensagem reveladora do pacto celebrado entre as partes contratantes, a checagem
da existencia e da autenticidade da mensagem, com os direitos e devees daí
diretamente decorrentes, deve ser procedimentalizado de modo bastante distinto
em sua concepção, daquela habitualmente realizada no denominado mundo físico
tradicional ou mundo dos átomos.
No próximo artigo escreverei sobre bens virtuais, bens
virtualizados e valores de mercado.